quarta-feira, 12 de setembro de 2007

velejando para bizâncio

Eu voltava para casa quando, devido às obras na Avenida Bizâncio (eu dirigia com sono e o brilho silencioso-fluorescente-alaranjado dos cones que margeavam o canteiro de obras assumiram, para mim, a materialização da minha insônia ou sonambulismo) fui obrigado a tomar um desvio que me lançou nas ruas de um bairro que me era desconhecido.
Na madrugada seguinte, assim que pus o veículo em movimento, lembrei a mim mesmo que deveria evitar a Avenida Bizâncio. Mas o sonambulismo habitual apagou qualquer resolução de buscar um caminho alternativo. Quando me dei conta, estava diante do peremptório e silencioso brilho do cones. Tomei o desvio, mas desta vez prestei atenção no bairro que visitava. Todas as casas tinham dois andares e, na frente de cada residência, havia um árvore. Lembrei-me de quando era menino e ultrapassava, em busca de marcas de cigarros, as fronteiras impostas por meus pais.
Na noite seguinte, fui ridículo. Ao ligar o carro, repeti a necessidade de evitar Bizâncio, mas sabia que confabulava em segredo, sabia que voltaria às obras e ao desvio, e desta vez não seria levado pelo sonambulismo. E, enquanto cruzava as ruas do bairro, o que brotou em mim foi algo distinto do medo ou da excitação: era como ter consciência (um sobressalto íntimo e gelado e viscoso) do tempo. Pensei no que vivia, no que acontecia comigo: estava às vésperas de uma prova importante, e, durante a preparação, eu alternara entre uma insegurança repleta de agonia e a certeza de estar aproveitando a maior chance que já me fora dada. Além disso, vivia um calmo relacionamento amoroso, mas também a consciência do amor era atingida no nervo. Em outras palavras, eu me via diante da alegria, mas isso não impedia que a alegria se apresentasse repleta de elipses, de lacunas. E quanto mais vida eu poderia oferecer a esta alegria? Quanto mais me seria oferecido? Quanto tempo antes das obras terminarem e o desvio ser riscado da existência da cidade? Quanto tempo antes da morte de um animal ou de uma pessoa amada?

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