quinta-feira, 13 de setembro de 2007

gatos

Pequeno foi o primeiro gato que persegui pelos telhados. Lembro-me que as buscas tiveram início há seis ou sete anos, durante as férias de janeiro. Por volta da meia-noite, como saía pouco de casa, reunia-me com os meus pais para uma partida de baralho, mas antes eu deveria ajudar a avó, que vivia na casa ao lado, a recolher os gatos. Começava a procurá-los por volta das dez horas e o Pequeno – o mais ágil e arisco – era o último a ser pego.
Às vezes, quando estava no telhado, sentia o vento me gastar o rosto e pensava em amores desperdiçados e em lugares nunca conhecidos – como as sombras e a maresia da Havana de Hemingway. Em muitas noites os ventos traziam gritos de bêbados e melodias abafadas pela distância. Entristecia, mas era uma tristeza impregnada de nostalgia, pois também existia o medo de morrer, de perder aquela casa e aquelas madrugadas e aqueles rostos e a sensação de perseguir os gatos pelos telhados.
Depois disso, durante cerca de um ano, tornou-se rotina capturar os gatos antes de ir dormir. Na verdade, nunca deixei de zelar por eles; apenas, com o passar dos anos assumi uma posição acima na hierarquia: que a avó e a mãe guardassem os animais mansos, eu entrava em cena quando algum felino demorava mais a vir ou fugia pelos telhados e recusava-se a descer.
Lembro-me de setembro de dois anos atrás. Um gato de pêlo loiro não voltou durante a madrugada. Embora incomum, não estranhei a ausência e só fui me preocupar no dia seguinte. Ainda durante a tarde, passei horas no telhado, chamando o animal e observando qualquer sombra que se movesse. Também vaguei pelos quarteirões da vizinhança, sempre de olho nos telhados. Após o entardecer chegou a notícia de que o cadáver de um animal fora abandonado em meio aos sacos de lixo que se amontoavam nos fundos da Igreja Coração de Maria. Eu e o pai reviramos o lixo, mas não encontramos o animal. Passei quase toda a noite no telhado. Depois, no começo da madrugada, saí para andar pelo bairro. A poeira acumulada pela seca que durava há semanas tinha formado uma neblina amarela, e esta névoa pardacenta tinha o efeito de esmaecer a luz (também amarela) emanada pelos postes. Nos quarteirões ao redor da praça topei com velhos, prostitutas, travestis. Quando vi os homens que recolhem o lixo, fui até eles. Disseram-me que, horas atrás, tinham recolhido o corpo de um gato de pêlo avermelhado. “É um gato gordo, a cabeça estava estourada, parecia esmagada por um carro ou ônibus.” No caminho de volta para casa, quis chorar.
Na tarde do terceiro dia o gato apareceu nos telhados. Eu e a irmã começamos a gritar. Depois que pegamos o animal, o mantivemos em cativeiro por duas semanas. Após as refeições ele era levado até o quintal, para urinar ou respirar ar puro, e um de nós era incumbido de vigiá-lo. Estávamos alegres e não podíamos deixar aquela existência rediviva e irracional e precária – ato supremo da bondade de deus ou do universo – esgueirar-se pelos telhados e desaparecer.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de o linkar ou publicar na arca da Jade? Posso?

mississipi disse...

Oi Soledade

É claro que pode linkar ou publicar na arca da Jade. Você escolhe o que for melhor.

Beijos