domingo, 16 de setembro de 2007

mortes

Após o jantar, liguei o computador e escrevi durante umas duas horas seguidas. Apesar de ser ruim passar as noites de sábado em casa, não havia tristeza ou ansiedade: no sábado da semana anterior eu tinha ido a uma festa e tinha conversado com uma bonita rapariga e tinha bebido cervejas e tinha reencontrado dois sujeitos – um deles estudara comigo em 1997-98, o outro fora meu colega durante o único semestre em que estive na faculdade de cinema, há oito anos.

Cansado de escrever, fui para a sala e liguei a televisão. Deviam ser dez horas e eu ainda não tomara banho. Corria a primeira semana de outubro e fazia calor, mas um calor que não chegava a ser repulsivo, pois soprava uma brisa amena e familiar (como se a brisa, antes de chegar até mim, tivesse percorrido uma cidade calma e esvaziada, povoada apenas por uma memória que não era, propriamente, memória – apenas sabia, e era um saber muito vago, quase imaginado, que sob aquela brisa eu já tinha vivido natais, e jogado futebol, e andado pelas ruas da cidade velha até o salão de bilhar da rua santiago, e gostado muito de alguém).

Quando a mãe passou por mim, perguntou se eu tinha ido ver a avó. Respondi que não. A mãe desapareceu e voltou logo depois. Disse-me que a avó estava tendo uma crise de gastrite e pediu que eu a olhasse enquanto ela e o pai se preparavam para levá-la até o hospital. Encontrei a avó na varanda. Sentei-me perto dela e, com um ramo de samambaia seca, comecei a brincar com um gato. Até fiz algum comentário sobre o animal. Notei que a avó, com um jornal na mão, mal conseguia se ventilar – tomei o jornal de suas mãos e fiz vento. Poucos minutos depois eu e a mãe amparamos a avó em sua caminhada até o carro.

Solitário em casa, voltei à tevê e terminei de assistir o programa que via antes de acudir a avó. Depois comecei a recolher os gatos. O mais difícil de todos – o Pequeno – não demorou a ser capturado, mas Joaquim estava sumido. Procurei em todos os cômodos possíveis e, após vasculhar o quintal da frente, fui para os fundos. Sentei-me perto da piscina. Quando ventava mais forte, era possível escutar o farfalhar das bananeiras. Um morcego deu um vôo raso sobre a face das águas e desapareceu na copa da mangueira (um dos vizinhos tinha, nos fundos da sua casa, um pomar). Lembrei-me das noites em que perseguia os gatos pelos telhados - muitas vezes, após apanhá-los, escondia-me em alguma sombra mais densa, ora observando a vida alheia, ora mirando os prédios da cidade velha (o topo dos edifícios envoltos por uma neblina-transparência rósea). Até quis passar o resto da noite no alto dos telhados, mas um miado fraco, vindo de um terreno vizinho (então um canteiro de obras) acusou o paradeiro de Joaquim. Apesar de antes já ter saltado na construção para apanhar um animal, era a primeira vez que pulava aqueles muros sozinho, sem que ninguém me ajudasse a subir de volta. Para a minha surpresa, os atos sairam conforme o planejado: após cair na construção escura e vazia, capturei o gato e o ergui até o muro (Joaquim fez o resto), depois tomei uma distância de sete ou oito metros e lancei-me numa corrida até o muro. Era o que precisava para alcançar a velocidade que me daria o impulso necessário para escalar. Enquanto corria, tive muito medo de pisar num prego enferrujado.

Um comentário:

whisner disse...

muito interessante o seu site, você tem um jeito bastante denso e poético, melancólico de narrar seu cotidiano. gostei muito, parabéns. abraços!