quarta-feira, 14 de novembro de 2007

novembro

O ano termina e ameaça cobrar a sua conta. Escrevi pouco, mas ainda assim foi mais do que no ano passado, quando não escrevi nada – 2006, o início do meu período mais estóico. Ainda hoje vivo dias de abnegação, mas começo a fraquejar. Acredito que essa estadia em montevidéu é o maior sinal dessa exaustão. No entanto, o pouco tempo que passo aqui é aflitivo pois não permite mais do que anotações esparsas, desconexas. Lembro-me de um sujeito que dizia que meu nome era Joe. Ele simpatizava comigo e essa empatia pode ter me poupado de conhecer a sua natureza mais violenta, mas ela existia. Por meses, acompanhei a trajetória desse sujeito pela cidade: até mim chegaram relatos tenebrosos, em duas ou três noites lhe paguei cerveja e aguardente, conheci a garota de rosto destruído que ele explorava e também o vi acompanhado de raparigas bonitas. Esta amizade da qual me envergonho merece um conto, uma reflexão mais apurada, mas agora não há tempo para isso. E há Nágila, aquela miúda de dente lascado que estudou comigo quando eu tinha dezessete anos. Ela me parecia ser uma das mais cândidas da classe. Talvez por isso tenha ficado em meu sangue, ou pode ser pelo fato de que, numa conversa com Cartago, elegemos o seu corpo nu (do qual tínhamos apenas uma idéia sonhadora-imprecisa-trêmula) como o mais bonito de todos. Após ingressar na faculdade, nunca mais a vi, mas há meses sonhei com ela – e é um sonho que não me sai da cabeça. Eu estou na capital e caminho pelos corredores de um prédio antigo, as paredes cobertas de mofo esverdeado. Alguém me acompanha, mas é irrelevante saber quem é, também eu desconheço. Abro uma porta e estou diante da antiga colega de classe: Nágila aos vinte e oito anos de idade, mais alta, o corpo severo e implacável. Agora ela é uma uma prostituta cujo trabalho é surrar e humilhar homens. Também sobre isso, sobre esse impossível e onírico reencontro com Nágila, gostaria de refletir . E há mais. Se vasculho a memória encontro a história do estrangeiro que chega a um lugar onde nunca esteve em busca da menina que, por alguns meses, trabalhou em sua casa como au pair. Ele vem após a morte do filho e o reencontro com a miúda (e a bizarra história de amor que decorre desse encontro) é outra idéia que preciso trabalhar com calma. Aliás, não é apenas o amor e o sexo em suas manifestações mais sórdidas-incomuns que ocupam os meus pensamentos. Há o projeto de uma história que, é quase certo, exigirá mais páginas do que um conto: a quase documental narração de um começo de namoro, uma novela que acalento há anos e cuja epígrafe (e tom) descobri no filme que vi dias atrás – "Amor À Tarde", de Eric Rohmer. No filme conhecemos Frederic, um homem bem casado que, nas horas de folga, vagueia por Paris enquanto tem, diante de si, um desfile das mais lindas garotas. Ele quer todas, mas não se lamenta (pelo contrário, até agradece) por saber que nunca mais verá cada uma dessas meninas que cruzam o seu caminho, e nem sequer fica intimidado quando vê uma delas nos braços de um namorado: ele sabe o destino que aguarda o amor, sabe como as relações afetivas envelhecem e se estabilizam, e em dado momento devaneia (a tal epígrafe): sonho com um mundo feito apenas de primeiros amores e amores eternos – e é sobre isso que gostaria de escrever, sobre essa dilacerante luta entre o efêmero e o que permanece, a luta contra o corpo, contra a fossilização do amor. A todas essas histórias pretendo retornar depois do dia 25 de novembro, que é a data da última prova, e no ano que vem espero estar liberto, pois, como disse, alcancei o limite do estoicismo. No entanto, enquanto essa liberdade mentirosa não vem sigo com as anotações esparsas, leituras de livros curtos (para não me comprometer por semanas e atrapalhar os estudos), canções de amor dos anos 50 ou 60, embora às vezes eu sinta esse doloroso anseio pelo sublime. Aconteceu hoje quando, cansado das domésticas canções de amor, ouvi Bach após meses, anos. Foi triste – e belo – porque tive pensamentos e almejei alturas inalcançáveis.

2 comentários:

Paulo Bono disse...

Esse texto sobre sonhos e vontades foi um dos melhores, Mississipi.

grande abraço.

*Sim, dá pra assobiar algumas canções. High and Dry, por exemplo, é bastante melódica. mas é verdade, as canções deles são meio que fantasmagóricas. tem coisas que eu gosto

mississipi disse...

Paulo

Fico feliz que tenha gostado.

Sobre o Radiohead, é uma das minhas bandas favoritas - dias atrás, após ter ouvido In Rainbows até quase estourar, tive vontade de escutar The Bends. High and Dry tem uma melodia muito boa... mas dessa fase mais assobiável da banda, gosto muito de Black Star.