sábado, 8 de dezembro de 2007

o cheiro do napalm pela manhã

Talvez aquele ano não tenha sido o pior de todos. Talvez tenha sido apenas o ano da derrota ou, antes, o ano em que vivi segundo os padrões de uma vida impossível: li muito, escrevi mais ainda, e no resto do tempo vagava pela cidade, entre a insônia da carne e o sonambulismo do espírito. Por isso não me esqueço das garotas que conheci nesses meses. Eu tinha o corpo aberto para qualquer uma delas, e talvez estivesse disposto a pagar qualquer preço por um amor, ou ao menos por sua sombra, que não daria em nada. Depois vieram os meses da regeneração, da vergonha também. Como foi possível viver daquele jeito? Como foi possível passar tantas manhãs e tardes sem estudar? Como foi possível ter o espírito marcado pela promiscuidade e escapar com a carne incólume? E em meio a isso, em meio ao desprezo pelas excentricidades de outrora, colhi o amor ou ao menos a sua sombra. Foi brando, como se o próprio presente fosse visto através das névoas de uma futura saudade, como se toda a cidade (todos os prédios, e as árvores, e as luzes - tudo isso, menos a carne) tivesse se tornado incorpórea, como se eu habitasse o corpo de um morto e perdurasse no crepúsculo por mais alguns minutos. E então também isso passou e tudo se assentou assim em meu espírito: um ano ruim, um ano bom, e o ano presente, embora o agora também fosse cercado por fronteiras incertas, vaporosas. Foi assim que, quinta-feira, aproveitei a noite para dar um passeio pela cidade. Quando a testa ficou úmida de suor - e quando o vento gelado da noite tocou esse suor e trouxe uma sensação de frescor - foi como se eu movesse dentro dos limites daquele ano que ficou marcasdo como ruim, o pior de todos, mas agora me sentia alegre e queria percorrer todas as velhas esquinas e entrar em todos os velhos lugares. Até me lembrei de Bill Kilgore: o tenente-coronel de Apocalipse Now!, aquele que usava chapéu de cowboy e que, ao observar os seus soldados surfando nas ondas de uma praia devastada, aspira o ar da manhã e, com o seu sotaque texano, diz adorar o cheiro do napalm pela manhã. Tem um cheiro de vitória.

Um comentário:

Nuno Dempster disse...

Sempre ao seu jeito, e a sua marca humana indelével que um dia irá comigo. Só então. E terei andado tanto por Ribeirão Preto como ninguém que, tal como eu, jamais tenha estado na sua cidade. Abraços.