domingo, 6 de janeiro de 2008

a praça aqui perto de casa: 25 de dezembro, 01 de janeiro

Tive vontade de fotografar a praça que fica aqui perto de casa nos dias de Natal e Primeiro de Janeiro. Em ambas as ocasiões, ao passar por lá, acabara de chover e o lugar estava vazio: crianças não brincavam no parque de diversões, ninguém caminhava por suas alamedas, e os bancos de madeira permaneciam abandonados. Debaixo do céu – que vergava-se, baixo e cinzento, sobre a abóbada formada pelas árvores – os globos nos postes de iluminação irradiavam um calor que oscilava entre o vermelho e o amarelo, e, no entanto, ainda não era noite. Devido à intensidade das chuvas, galhos e folhas recobriam o chão, e o cheiro que pairava (macio, amortecido) era o de terra molhada e ferrugem (este último cheiro era mais intenso perto dos brinquedos do parque de diversões). O chafariz, sem uso havia anos, transbordara e, com uma camada de folhas castanhas boiando sobre a superfície da água, mais parecia um charco. Também havia, junto à banca de jornal, caixas de madeiras antes usadas para o estoque de frutas. É que, nas semanas que antecedem o natal, a praça costuma ser tomada por comerciantes que vendem os frutos da estação (uvas, pêssegos, ameixas gordas e vermelhas, caquis), mas agora, finda a época de vender, as caixas tinham sido abandonadas e dentro de algumas permaneciam frutos apodrecidos, de modo que das caixas erguia-se um perfume doce, muito doce.
No dia 25 de dezembro, o contato com a praça foi de ternura e alguma comoção. Até então vinha conseguindo me manter fiel à euforia que é característica das festas no final do ano. Entretanto, ao caminhar pela praça, era como se enfim ultrapassasse as fronteiras da melancolia, instalando em mim a sensação e o medo da perda. Em outras palavras: mais do que perceber a precariedade e a miséria daquele cenário, veio em mim a certeza de que nunca voltaria a encontrar uma paisagem que me seria tão familiar – era como se me soubesse dentro daquele globo de neve que Kane, após murmurar rosebud, deixa quebrar-se no chão. Nos dias seguintes permaneci dentro dessa nostalgia banhada pela neve, e gostei de passear pela cidade que agora, após o natal, estava vazia. Podia contemplar as casas, os telhados, os poucos campanários, e até amontoados de árvores em lugares de intenso trâfego e frenesi. O ápice da tristeza foi no dia 31 de dezembro, quando, no caminho até a casa da minha namorada, passei no prédio onde ela trabalhara e onde eu a apanhara nas primeiras semanas de namoro. Há alguns meses o lugar fora posto abaixo, para dar lugar a um novo edifício, mas até então não havia compreendido o que isso significava. Deste canteiro de obras, rumei para a casa da namorada. As ruas estavam iluminadas, na distância espocavam fogos (e depois vinha um silêncio espectral) e as próprias pessoas que passavam gritando, alegres e alucinadas dentro dos seus carros, pareciam morrer tão logo viravam a esquina e as suas vozes deixavam de ser ouvidas. Depois, já acompanhado da namorada, tratei de me distrair e até deixei de lado a melancolia; talvez isso tenha acontecido porque nos comportamos como num dia normal: na tevê vimos os programas habituais, tivemos as mesmas conversas e tratamos de exorcizar de nós qualquer sentimento em relação ao passado e ao futuro. Quando, à meia-noite, todas as bombas explodiram, não me senti miserável, e conservaria esse estado de espírito caso não tivesse visitado a praça no dia seguinte. Ela ainda era o globo com a paisagem imersa na neve que Kane segurara, mas agora eu tinha a sensação de que ele já havia murmurado rosebud, deixando o vidro quebrar-se no chão. Foi isso o que pensei enquanto caminhava para casa. Nos dias seguintes, tratei de voltar à rotina, a melancolia evaporou e continuei a freqüentar os lugares que meu espírito havia dado como perdidos. O estranho, penso, é que não sinto como se tivesse encenado uma contradição.

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